“Queria ter enterrado um caixão vazio, e não com meu pai dentro”
Acostumada a estudar durante a noite e dormir pela manhã, a historiadora e doutoranda Carolina Maciel, 30, acordava já com o almoço pronto, feito pelo pai. Vicente Maciel “tomou conta” da cozinha de casa depois que se aposentou e, por volta das dez ou 11 horas da manhã, costumava cozinhar, com o rádio ligado. A filha, ainda deitada, acompanhava o movimento de longe. Essa é uma das lembranças que Carolina vai guardar do pai, que faleceu aos 58 anos, na madrugada do dia 30 de abril, vítima da Covid-19.
Naquele dia, foram confirmados 53 óbitos em decorrência do novo coronavírus no Estado, segundo dados informados no IntegraSus, plataforma da Secretaria da Saúde do Ceará, na tarde desta quinta-feira, 7. Os primeiros sintomas apresentados por Vicente foram febre de 37,7ºC, no dia 18, e tosse. “Ele era cardiopata, tinha uma tosse que nós já conhecíamos”, conta Carolina, explicando que, apesar disso, estranhou-a.
Dois dias depois, a febre chegou aos 38ºC, e ele teve perda de olfato e de paladar. “Eu o levei para o hospital municipal da Caucaia. Chegando lá ele fez o exame da Covid-19, mas é aquele que demora. Mesmo assim, ele já foi medicado e o mandaram voltar para casa, porque ele não estava cansado”, relata.
O remédio prescrito para o tratamento de Vicente não foi encontrado pela família e, com o passar dos dias, Carolina percebeu uma “respiração estranha”. No domingo, 26, ela o levou ao Hospital São José de Doenças Infecciosas (HSJ), na Capital. No caminho, ele apresentou cansaço e, no hospital, recebeu a notícia de que ficaria internado para observação.
À internação de Vicente Maciel, Carolina conta que se seguiram dias com poucas informações concedidas pelo HSJ sobre o estado de saúde dele. “Só ligaram duas vezes. Eu só sabia as informações porque, por coincidência, um amigo de uma amiga estava internado na mesma enfermaria e mandava notícia pelo celular”, afirma a historiadora.
Na noite de 29 de abril, Vicente precisou de intubação. Apesar de ter recebido notícia de que tudo corria bem, Carolina não conseguia dormir. De madrugada, a família foi chamada para comparecer ao hospital. Nervosa e já sabendo o que a esperava, Carolina buscou o apoio de um amigo, que a acompanhou ao HSJ, onde teve certeza do óbito. Junto dela estavam a mãe, Nancy Maciel, 56, e o irmão, Vicente Antônio Maciel, 23.
“Eu tentei me acalmar o máximo que eu pude, liguei para minhas amigas que são como minhas irmãs. Liguei para minha tia, irmã dele, que mora no Pará. E começamos a tentar ver como íamos fazer, porque não tínhamos plano funerário”, explica. Depois de resolverem as questões necessárias e de esperarem o dia amanhecer, seguiram para o Cemitério São João Batista, onde foi realizado o sepultamento.
“Fizemos uma oração na capela, eu joguei uma água benta em cima do caixão, e aí desceu para enterrar. Pronto, foi isso. Foi o percurso mais longo que já fiz na minha vida”, conta. “Eu lembro que, no mesmo dia, saiu (entrevista com) aquela deputada Carla Zambelli dizendo que estávamos enterrando caixão vazio, e até comentei em uma postagem que eu queria ter enterrado um caixão vazio, e não com meu pai dentro.”
Além de Vicente Maciel, Carolina e a mãe apresentaram sintomas da Covid-19, mas não fizeram o exame. Sem conseguir “mapear” como a família contraiu a doença, a historiadora pede às pessoas que fiquem em casa, se for possível. “Aqui em casa, fizemos tudo o que podíamos, e meu pai acabou pegando isso. E eu perdi a outra metade da minha vida. Eu faço doutorado em História e vou terminar na força do ódio, porque não tenho vontade de fazer nada, só de dormir e acordar desse pesadelo”, desabafa.
Ela também reconhece e destaca a importância do Sistema Único de Saúde (SUS). Sem o atendimento público, Carolina acredita que a situação seria ainda pior — para o pai dela e para a população em geral. “Meu pai morreu, mas foi muito bem cuidado. Eu sei que até a própria falha de comunicação é porque o hospital estava lotado. E, se não fosse o SUS, ele tinha morrido em casa, porque não tínhamos condição de ter plano de saúde.”
Com informações de O Povo
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