Ceará tem mais de 100 mortes em casa por Covid-19; ‘Vi meu pai morto na minha cama’, diz filha de vítima
Pelo menos 115 pessoas morreram dentro de casa em decorrência da Covid-19 no Ceará, até esta quarta-feira (13), segundo dados da Secretaria da Saúde do Estado (Sesa). Uma das vítimas foi o aposentado Eliton Banhos, de 74 anos, que morreu seis dias após sentir os primeiros sintomas do novo coronavírus. A designer Meg Banhos, 48 anos, que encontrou o pai sem vida na cama, diz que ir ao quarto dele “é como visitar um cemitério”.
Ao surgirem a tosse insistente e uma febre, os filhos e a esposa contataram médicos da família e o próprio TeleSaúde, da Sesa, para buscar orientações. Eliton era cardíaco e diabético.
“No terceiro dia (de sintomas), começou a diarreia. Ficamos mais preocupados ainda, mas, apesar disso, resolvemos esperar, porque ele não tinha falta de ar e os hospitais já estavam lotados. No quinto dia, ele teve uma boa melhora, só persistia a tosse. Já tava até brincando sobre o fim da quarentena. Mas no sexto, amanheceu morto”, relembra Meg.
“Ficou aquele silêncio dentro de casa, ninguém se falava. Até que chegou a funerária, voltei lá no corredor do quarto e disse ‘pai…?’, como quem pede ‘faz isso não, levanta!’. Eu, minha mãe, meu irmão, a gente não podia nem se abraçar pra se consolar”, relata a designer.
Sem velório
Outro fator tornou a morte domiciliar do pai ainda mais avassaladora: a urna funeral não cabia no elevador nem na escada do prédio. Foi deitado numa rede azul que Eliton saiu de casa pela última vez.
“Eles (agentes da funerária) vieram arrastando a rede pelo corredor, como num cortejo do interior. O corpo passou pela minha mãe, que chorou muito. Tive que segurar a porta do elevador pro corpo do meu pai passar. Foi essa a última vez que o vi”, narra. O sepultamento durou um minuto e oito segundos – tempo do vídeo gravado pelo irmão de Meg, único a seguir o cortejo do pai ao cemitério.
Após a partida de Eliton, Meg nunca mais entrou no quarto, “não conseguia passar no corredor”, quando estava na casa onde os pais viviam. “Além do luto, eu tinha medo do vírus, mesmo que a casa tenha sido desinfectada. Eu tava enlouquecendo, lá. É como visitar um cemitério, apesar de ter sido a casa da minha infância”, reconhece.
Apesar de feridas pelo processo doloroso da morte, as lembranças de quem foi o técnico de enfermagem aposentado Eliton Banhos persistem.

“Meu pai era um brincalhão. Um pai e um avô super amoroso, um romântico apaixonado pela minha mãe – foi amigo de colégio dela, passaram 50 anos casados. Era o vizinho enfermeiro, cuidava de todo mundo do condomínio. Fazia caminhadas, tocava violão, cantava Roberto Carlos… Era todo garotão, conhecido como Campeão”, sorri a filha.
Nova luta
Três dias após a morte do esposo, Elza Banhos, 73, começou a apresentar sintomas, chegando a convulsionar em casa. Desta vez, não houve espera. Elza e a filha-acompanhante saíram do hospital nove dias depois – a mãe com diagnóstico positivo para Covid-19; a filha, negativo.
“Chamamos o Samu e começou a corrida por hospitais: três privados não estavam atendendo mais, lotados. Conseguimos atendimento numa UPA, mas mandaram ela pra casa. Num quarto hospital particular, conseguimos vaga. Na fila pra atendimento, ela teve outra convulsão. Foi levada pra UTI e não nos vimos mais por dois dias e meio”.
“Você acha que nunca vai acontecer com você – mas nessa pandemia, mais do que nunca, esse pensamento tá fora da realidade. Eu mesma não achava que aconteceria, e perdi meu pai. Cuide dos seus, abrace de longe, não deixe de dizer ‘eu te amo’, olhar no olho, fazer um carinho, mandar uma mensagem. Isso é essencial nessa hora. Esse inimigo ataca o corpo e a alma não só dos infectados, mas de todos ao redor”, finaliza Meg.
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