Após 20 dias com criança, Justiça do Ceará afirma que casal mantinha guarda ilegal e bebê volta a instituição

O casal Gabriela Fernandes Moreira e Thallys Lima, de Tianguá, a 318 km de Fortaleza, cuidaram durante 20 dias de bebê de quatro meses. Após esse período, a Justiça do Ceará determinou, no mês de outubro, que o processo de adoção estava irregular e que eles precisariam devolver o bebê para a instituição de acolhimento. Os pretendentes a adoção agora fazem um apelo para terem a guarda legal da criança.

A Associação Cearense de Magistrados (ACM) informou, em nota, que o juiz da 3ª Vara de Tianguá, Bruno dos Anjos, autorizou que o casal iniciasse um processo de “fortalecimento de vínculos”, que consiste em visitas à criança no próprio acolhimento.

“Sem qualquer autorização judicial, a direção do acolhimento municipal permitiu que a criança fosse para a casa dos pretendentes por três finais de semana, como afirmado pelos próprios pretendentes no procedimento judicial, o que é procedimento inteiramente ilegal, que aconteceu à revelia e sem conhecimento do Judiciário”, diz a nota.

Diante da situação irregular que se encontrava a criança, a Justiça determinou o retorno à instituição de acolhimento. Em seguida, os pretendentes postularam a guarda da criança. Contudo, o pedido foi negado, pois, foi identificado que o cadastro do casal não estava formalmente habilitado na fila do Sistema Nacional de Adoção (SNA).

“A sensação é quase de um luto, mas é diferente porque tem a esperança de conseguir de volta, não é uma perda total”, ressalta Gabriela, que confessa ter se sentido “sem chão” ao receber a notícia, principalmente por já estar acostumada a encontrar Santiago – como nomeou o bebê – todos os finais de semana desde dia 26 de setembro.

Inscrição no Cadastro Nacional

Gabriela conta que efetivou a inscrição no Cadastro Nacional de Adoção em 2018. Em setembro deste ano, recebeu a ligação do acolhimento municipal “Espaço Vida”, informando que seria dado início ao processo de vínculo entre eles e o bebê, que à época, tinha um mês de vida. Os encontros eram realizados para fortalecer a conexão entre o casal e a criança. Eles chegaram a ficar com o bebê por um período de uma semana, durante os dias 12 a 16 de outubro.

A empresária diz acreditar estar com a documentação em ordem, não suspeitando que um erro pudesse ocorrer. Conforme explica, foi informada pelo juiz da 3ª Vara de Tianguá de que faltava o comprovante de realização do curso de adoção, realizado por ainda em 2018, em seu processo. Diz ainda que havia sido notificada pela coordenadora do abrigo “Espaço Vida”, Marília Pinto de Carvalho, ser a próxima da fila e que foi somente após a permissão do juiz que o abrigo entrou em contato.

A versão da ACM e do Ministério Público do Ceará (MPCE), no entanto, é a de que a coordenadora do acolhimento autorizou a saída da criança para passar fins de semana e, inclusive, uma semana inteira na residência dos pretendentes, sem autorização judicial e sem consentimento da autoridade judiciária e do Ministério Público.

Conforme a coordenadora do “Espaço Vida”, o bebê, nascido em 10 de agosto deste ano, foi levado para o acolhimento municipal em setembro, local em que está acolhido. A criança só foi oficialmente destituída do vínculo com a mãe biológica na última terça-feira (15) e cadastrada no Sistema Nacional de Adoção, aponta Marília.

Porém, antes disso, a coordenadora afirma ter recebido permissão por parte do juiz da 3ª Vara de Tianguá, Bruno dos Anjos, para entrar em contato com o próximo casal da fila, no caso, Gabriela e Thallys.

“Como o juiz tem acesso à fila, me deu o número do próximo casal e eu fiz o contato pelo WhatsApp. Como das outras vezes, nunca tinha errado, foi muito correto”, explica Marília. Nenhum documento provisório foi entregue ao casal de Tianguá quando o abrigo permitiu o início do vínculo entre o casal e o bebê.

Conforme Marília, a permissão para liberar a saída da criança do abrigo teria ocorrido a partir de um acordo entre o Ministério Público do Ceará, o abrigo municipal e o Tribunal de Justiça do Estado (TJCE), para facilitar o andamento da adoção. “Fizemos tudo acompanhado pelos profissionais capacitados, buscando minimizar esse processo de acolhimento”, explica, declarando já ter ocorrido casos similares anteriormente.

Tanto a ACM e o MPCE negam o acordo. “Este fato só chegou ao conhecimento do MP no dia 16 de dezembro de 2020, através de vídeo publicado nas redes sociais”, explica a nota. Para o Ministério Público, apesar da dor do casal de pretendentes, é necessário seguir os trâmites legais para o processo de adoção.

“Urge ainda salientar acerca da importância do correto e legal seguimento do trâmite de adoção e, em que pese o Ministério Público se solidarizar com a dor dos pretendentes, é necessário que o Órgão Ministerial, como fiscal da lei, aja conforme os preceitos legais, tendo em vista ainda que enquanto órgão com atribuição de zelar pela obediência da ordem cronológica do cadastro de adoção e do melhor interesse da criança”, diz a nota.

Problemas no processo de habilitação

Outro problema encontrado foi no processo de habilitação de Gabriela Fernandes Moreira e Thallys Lima, que teria iniciado em 2018. Ainda naquele ano, conforme a defesa do magistrado, os requerentes foram intimados pessoalmente para apresentarem atestado de sanidade física e não se manifestaram.

Em junho de 2019, eles foram novamente intimados para, pessoalmente, afirmarem se ainda tinham interesse no processo e, novamente, não teriam se manifestado. A falta de retorno teria sido o motivo pelo qual, em 2 de dezembro de 2019, após manifestação do MPCE, o processo de habilitação foi extinto por abandono da causa. Mesmo assim, foi permitido aos pretendentes participar do curso de adoção, sendo os nomes dos mesmos incluídos no Sistema Nacional de Adoção (SNA).

Depois que o MPCE identificou que os pretendentes não estavam regularmente cadastrados, o promotor posicionou-se pela convocação dos habilitados no cadastro de adoção da comarca, conforme a Lei 8069/90.

O órgão aponta que, mesmo com a regularização da documentação dos pretendentes à adoção e posterior reinclusão ao Cadastro Nacional de Adoção, a decisão de destituição do poder familiar do bebê foi realizada no dia 15 de dezembro, de forma que a guarda apenas poderia ter sido concedida após esta data, momento em que o casal já não mais ocupava posição superior no cadastro, constando como o sexto na fila de adoção.

Agora, após abrir processo em segredo de justiça, a expectativa de Gabriela é conseguir novamente a guarda da criança, dessa vez, com o recebimento das devidas documentações oficiais. “A gente entrou com agravo, instrumento para recorrer da decisão do juiz, e pedir novamente a guarda”, finaliza.

Em nota, o Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJCE) disse que processo de adoção em tramitação na comarca de Tianguá, na Serra da Ibiapaba, observará os trâmites previstos na legislação. “O TJCE ressalta que ao longo dos últimos anos várias crianças e adolescentes tiveram o sonho da adoção concretizado com o auxílio do trabalho sério e diligente de magistrados e servidores do Poder Judiciário cearense”, completa.

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